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@askesis@qoto.org
2024-03-31 17:52:21

Bruno Latour, old but gold
P. Diante disso, pode haver uma ideia compartilhada da verdade?
R. As pessoas se queixam das fake news e da pós-verdade, mas isso não significa que sejamos menos capazes de raciocinar. Para conseguir manter um respeito pelos meios de comunicação, a ciência, as instituições, a autoridade, deve haver um mundo compartilhado. É um tema que estudei no passado. Para que os fatos científicos sejam aceitos, é preciso um mundo de instituições respeitadas. Por exemplo, sobre as vacinas se diz: “Estas pessoas ficaram loucas, estão contra as vacinas.” Mas não é um problema cognitivo, de informação. Os que são contra não serão convencidos com um novo artigo na revista The Lancet. Essas pessoas dizem: “É este mundo contra este outro mundo, e tudo o que se diz no mundo de vocês é falso.”
P. Os fatos não existem independentemente desses mundos?
R. É preciso sustentar os fatos, não vivem sozinhos. Um fato é só um cordeiro frente aos lobos.
P. Quem são os lobos?
R. Os que devoram os fatos. Um fato deve estar instalado numa paisagem, sustentado pelos costumes de pensamento. São necessšrios instrumentos e instituições. As vacinas são o exemplo de um fato que precisa de uma vida pública. Se eu sair pela rua com uma seringa tentando vacinar as pessoas, serei considerado um criminoso. Se a vida pública é deteriorada por pessoas que consideram que – não importa o que você disser – este não é o mundo delas, os fatos não servem para nada.
P. Mas nesse caso hš um fato: as vacinas são úteis, não importa se os outros acreditam ou não.
R. No meu mundo e no dos leitores do EL PAÍS, sim. Mas nem todo mundo lê o seu jornal, nem tem um doutorado, nem confia nas instituições médicas, nem vive num país onde o Ministério da Saúde apoia as vacinas. É preciso muita coisa para sustentar os fatos.
P. Os dois mundos valem o mesmo?
R. Não, mas estão em guerra. É um problema geopolítico. Antes, eram problemas de valores ou ideologia, mas num tabuleiro estšvel. Agora, não. O mapa estš em discussão. “Na América não hš problema climštico, isso é falso”, diz Trump.
P. Qual é a solução?
R. Se aterrissarmos no terrestre, poderíamos começar a definir um mundo comum. Então jš não poderíamos nos permitir dizer que não hš mudança climštica, que os problemas de saúde não nos dizem respeito, que a reprodução das abelhas não é nosso problema. Voltaríamos a discutir entre civilizados.
brasil.elpais.com/brasil/2019/

@askesis@qoto.org
2024-03-31 17:52:21

Bruno Latour, old but gold
P. Diante disso, pode haver uma ideia compartilhada da verdade?
R. As pessoas se queixam das fake news e da pós-verdade, mas isso não significa que sejamos menos capazes de raciocinar. Para conseguir manter um respeito pelos meios de comunicação, a ciência, as instituições, a autoridade, deve haver um mundo compartilhado. É um tema que estudei no passado. Para que os fatos científicos sejam aceitos, é preciso um mundo de instituições respeitadas. Por exemplo, sobre as vacinas se diz: “Estas pessoas ficaram loucas, estão contra as vacinas.” Mas não é um problema cognitivo, de informação. Os que são contra não serão convencidos com um novo artigo na revista The Lancet. Essas pessoas dizem: “É este mundo contra este outro mundo, e tudo o que se diz no mundo de vocês é falso.”
P. Os fatos não existem independentemente desses mundos?
R. É preciso sustentar os fatos, não vivem sozinhos. Um fato é só um cordeiro frente aos lobos.
P. Quem são os lobos?
R. Os que devoram os fatos. Um fato deve estar instalado numa paisagem, sustentado pelos costumes de pensamento. São necessšrios instrumentos e instituições. As vacinas são o exemplo de um fato que precisa de uma vida pública. Se eu sair pela rua com uma seringa tentando vacinar as pessoas, serei considerado um criminoso. Se a vida pública é deteriorada por pessoas que consideram que – não importa o que você disser – este não é o mundo delas, os fatos não servem para nada.
P. Mas nesse caso hš um fato: as vacinas são úteis, não importa se os outros acreditam ou não.
R. No meu mundo e no dos leitores do EL PAÍS, sim. Mas nem todo mundo lê o seu jornal, nem tem um doutorado, nem confia nas instituições médicas, nem vive num país onde o Ministério da Saúde apoia as vacinas. É preciso muita coisa para sustentar os fatos.
P. Os dois mundos valem o mesmo?
R. Não, mas estão em guerra. É um problema geopolítico. Antes, eram problemas de valores ou ideologia, mas num tabuleiro estšvel. Agora, não. O mapa estš em discussão. “Na América não hš problema climštico, isso é falso”, diz Trump.
P. Qual é a solução?
R. Se aterrissarmos no terrestre, poderíamos começar a definir um mundo comum. Então jš não poderíamos nos permitir dizer que não hš mudança climštica, que os problemas de saúde não nos dizem respeito, que a reprodução das abelhas não é nosso problema. Voltaríamos a discutir entre civilizados.
brasil.elpais.com/brasil/2019/